quinta-feira, setembro 19, 2024
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QUEIMADAS SETEMBRO 2024

A cobertura equivocada e desinformada da pauta indígena no Brasil

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Veículos da imprensa tradicional do Brasil passaram as últimas semanas dedicando muito mais tempo de cobertura para a distante crise política na Venezuela do que para pautas indígenas relevantes ocorrendo em território nacional. E quando abordam, ainda o fazem de maneira distorcida, desinformando sobre o assunto.

Os casos mais recentes envolvem ataques no Mato Grosso do Sul e a negociação do chamado Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro caso, um grupo armado atacou indígenas Guarani Kaiowá em retomadas na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS), no último dia 03 de agosto.

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Pelo menos dez pessoas foram feridas, duas em estado grave. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o ataque ocorreu pouco depois da Força Nacional deixar o território. O relato do Cimi é de que jagunços armados atiraram com munição letal e balas de borracha a partir de caminhonetes.

Já na questão do Marco Temporal, as audiências foram convocadas pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações protocoladas pelos partidos PL, PP e Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco e de processos nos quais entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese.

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Pela tese do marco, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Em dezembro do ano passado, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que validou o marco. Em setembro, antes da decisão dos parlamentares, o Supremo decidiu contra o marco. A decisão da Corte foi levada em conta pela equipe jurídica do Palácio do Planalto para justificar o veto presidencial.

Disparidade de cobertura

Apesar dos dois temas acontecerem ao mesmo tempo e estarem diretamente ligados aos conflitos agrários que afetam milhares de vidas no Brasil, uma rápida pesquisa nos buscadores de notícia e monitoramento nas programações dos canais especializados mostram que, naquele momento, a atenção dos veículos estava praticamente toda voltada para a crise política na Venezuela.

A mídia brasileira reproduz, com marcas fortes, o racismo contra os povos indígenas. Atua para reforçar a atitude colonial que permanece alimentada pelo Estado brasileiro em toda a sua estrutura de expressão – dos operadores do direito às escolas, às universidades, à sociedade. Ataques e assassinatos de indígenas são naturalizados neste país. E a mídia contribui para essa naturalização porque também carrega o seu corpo colonial/ colonializador”, lamenta Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e doutora em Processos Socioculturais da Amazônia.

Busca das fontes primárias

Os representantes ouvidos afirmam que há avanços em geral na comunicação de pautas relacionadas ao movimento indígena. Entretanto, quando se fala dos grandes veículos de comunicação, a situação ainda deixa muito a desejar. Com isso, diversos grupos como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) passaram a investir no contato direto com profissionais da imprensa.

“Desde o Acampamento Terra Livre de 2024 a Coiab vem montando sua própria rede de contatos diretos com jornalista que estão interessados em nossas pautas, tendo em vista o desinteresse de jornalistas que estão atuando nesses grandes conglomerados de comunicação”, explica Robson Baré, jornalista da Coiab.

“Pode ser por decisão interna da própria empresa ou por patrocinadores que entendem que a pauta indígena não traz retorno”, diz Baré.”Mas o que acontece é que o movimento indígena é tão atacado quanto os outros grupos minoritários e de certa forma a inserção de notícia em diferentes veículos poderia ajudar no combate aos ataques aos povos indígenas”.

O jornalista da Coiab afirma que mesmo que exista algum progresso na adequação dos jornalistas, o desinteresse ou até mesmo a falta de sensibilidade com as lideranças indígenas persistem. “Mesmos com nossos direitos sendo violados, nossos territórios invadidos e nossos corpos mortos, as notícias ainda são voltadas as pessoas não indígenas”, critica ele. “Será que o caso Dom e Bruno teria tanto destaque se fosse com lideranças indígenas? Vale lembrar que muitas lideranças são ameaçadas todos os dias e mortas e nem 1% dos casos vemos na imprensa. Quantos de nós ainda precisam pagar com a vida para que a realidade mude?”

“Outro exemplo que posso citar é a reportagem do Fantástico (TV Globo) sobre os ataques ao povo guarani atacados por ruralistas no Mato Grosso, onde NENHUMA pessoa indígena, seja líder ou não, foi convidada para um depoimento. Desejamos que a mídia nacional melhore a relação com o movimento indígena do Brasil, pois ela pode mais acrescentar na construção de uma sociedade respeitosa, da qual estamos vivendo hoje”, protesta Baré.

Desinformação ao usar termos inadequados

Representantes de entidades indígenas reclamam ainda que, quando não deixam de cobrir ou ignoram personagens das etnias, diversos veículos de comunicação tradicionais ainda utilizam termos que confundem ou distorcem. “A mídia tem feito uma cobertura parcial. Acho que são muitos fatores que estão em jogo e que acontecem nos territórios indígenas e que precisariam ser evidenciados. Por exemplo: porque afirma-se que seja conflito? Porque conflito é quando ambas as partes entram em atrito. Não é o que acontece. O que há, na verdade, é um ataque à comunidade indígena”, avalia Dinamam Tuxá, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Para Tuxá, sempre que esse tipo de violência acontecer, é necessário estabelecer os motivos e quem são as pessoas que estão promovendo os ataques, além de deixar evidenciado qual é a pauta dos povos indígenas. “A comunicação precisa ser mais inclusiva, com a participação das comunicações, por exemplo, das organizações regionais que tem esse material”, diz ele.

O caso do Marco Temporal

A falta de cobertura da mídia tradicional também favorece ações abusivas do Estado contra minorias. Longe dos holofotes, agentes parecem se sentir a vontade para cometer arbitrariedades. Durante a primeira audiência de conciliação do Marco Temporal, por exemplo, as entidades indígenas fizeram duras queixas sobre a forma como o processo estava sendo conduzido, bem como o tratamento dispensado aos povos. Novamente, pouco ou quase nada a respeito foi visto na imprensa nacional.

“A primeira reunião, no entanto, envolveu uma sucessão de colocações, por parte dos juízes instrutores, que foram permeadas de violência com os povos indígenas. Na primeira delas, o STF não suspendeu pontos fundamentais da Lei que já foram julgados e considerados inconstitucionais em setembro do ano passado”, explica Juliana de Paula Batista, advogada de Direitos Indígenas.

Além disso, segundo a advogada, a Corte decidiu que, na falta de consenso as decisões seriam tomadas por “maioria”, sendo que o STF tem uma função contra esse tipo de critério na defesa dos direitos das minorias. “Parece contraditório que o Tribunal aceite que as decisões reflitam a maioria em uma comissão em que os indígenas são minoria, ou seja, seria aceitar que esses direitos podem ser modificados a partir de um critério majoritário que não traz qualquer segurança para a defesa dos direitos fundamentais”, alerta a advogada. “Será muito difícil para eles prosseguirem em um diálogo que pretende se realizar nestes termos”.

Voz e visibilidade

Uma das soluções para uma cobertura mais inclusiva é dar voz e visibilidade às populações indígenas, em especial às lideranças que vivenciam todos os dias os desafios da população. “Ouvi-los é essencial para que os direitos possam ser garantidos, e a mídia tem sua relevância na ajuda de mostrar a realidade das nossas comunidades”, considera Baré. “Sinto que muitos veículos ainda precisam ouvir pessoas brancas para validar o que os povos indígenas estão passando, para enfatizar os problemas e denúncias”.

“Na própria audiência de conciliação do Supremo Tribunal Federal sobre o Marco Temporal realizada no dia 05 de agosto de 2024, pessoas brancas eram mais ouvidas do que nossas próprias lideranças. Ainda que não concordem, mas isso reflete no racismo estrutural que essas empresas e sistema ainda possuem”, lamenta o representante da Coiab.

“Quando comparamos com outras pautas divulgadas na mídia brasileira, é notável que a crise política venezuelana, eleições estadunidenses, guerras territoriais entre Palestina e Israel são mais trabalhadas do que as guerras territoriais travadas todos os dias pelos povos indígenas aqui, em nosso território brasileiro”, avalia Baré.

Aug 28, 2024 em Combate à desinformação

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