As fortes chuvas registradas no Rio Grande do Sul, que já deixaram dezenas de mortos e milhares de desabrigados, devem elevar os preços de produtos agropecuários, além de afetar diversos setores da economia, do turismo à siderurgia.
Entre os mais afetados pelas chuvas, segundo o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, devem estar os criadores de suínos e de aves, além da pecuária leiteira, com forte presença na região norte do estado, na zona rural de municípios como Santa Rosa, Passo Fundo e Erechim. O escoamento da produção e o recebimento de suprimentos, conta Pereira, está prejudicado.
— O produtor de leite não consegue levar o produto para a indústria, e os criadores de suínos e frangos não conseguem receber a ração por conta das pontes que caíram. Além disso, tem a falta de energia elétrica, é uma situação catastrófica — diz Pereira.
O agronegócio é responsável por cerca de 40% do PIB do estado, segundo a Farsul. Em 2022 a produção agropecuária gaúcha, de acordo com o governo do estado, atingiu valor bruto de R$ 98,6 bilhões, sendo os dois principais produtos a soja e o arroz. O Rio Grande do Sul é responsável por 68% da produção nacional de arroz.
— Já colhemos, até o momento, cerca de 60% da nossa safra de soja e 70% da safra de arroz. Precisamos descobrir ainda o quanto perdemos do que faltava colher — diz Pereira. — Nós vamos ter problemas adiante no mercado nacional (de arroz). Por enquanto, o país está abastecido, mas, mais para frente, pode ocorrer um aumento nos preços.
Para o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Eugênio Zanetti, o impacto ser[a devastador:
— Para o setor de agro como um todo, os estragos são incalculáveis. Recebi relatos de produtores com 50% da soja ainda para ser colhida. Para folhagens, legumes e verduras, é quase perda total, assim como para os produtores de arroz, que ainda não colheram.
O economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), calcula que deve haver alguma influência dessas perdas na inflação dos alimentos, mas não avalia que será algo expressivo. Mercados em que o estado tem maior protagonismo, como de arroz e produtos in natura, porém, sofrerão algum aumento de preços.
Braz explica que, no caso dos produtos in natura, a inflação deve ocorrer mais na região da tragédia, já que esses itens costumam ser consumidos em localidades próximas à produção.
— Pode haver comprometimento de safra de ciclos mais longos, no plantio e na colheita, que ficam impedidos. Quanto mais esse fenômeno durar, pior o impacto. Mas é mais um complemento na inflação local do que um impacto nacional — afirma o economista.
Turismo já considera Dia das Mães perdido
Os principais municípios turísticos do estado, como Gramado e Bento Gonçalves, Serra Gaúcha, ficaram na rota do desastre. Até 2020, o estado tinha cerca de 97 mil empregos no setor do turismo, sendo que 30% das vagas eram localizadas em Gramado.
— Hoje, a Serra é o principal polo turístico do estado. Atualmente estamos em uma entressafra para o turismo, saindo do verão para entrar no inverno, mas o mês de maio tem datas importantes para a região, como o Dia das Mães (12 de maio), que já está perdido — diz Danilo Martins, presidente do Sindicato das Empresas de Turismo do Rio Grande do Sul (Sindetur-RS).
Martins afirma que, assim como o agronegócio, o setor vai depender do quão rapidamente as estradas e pontes afetadas pelas chuvas serão recuperadas até junho — a esperança, na Serra Gaúcha, é que isso ocorra antes do início do inverno.
O ano de 2023 foi um dos melhores em número de turistas estrangeiros no estado, com mais de 1 milhão de visitantes de outros países.
— A Serra Gaúcha, que teve muitos desmoronamentos nas estradas que levam até lá, tem atraído muitos argentinos no inverno, por exemplo, que começa em breve. Mas ainda é cedo para dizer se vai afetar o nosso desempenho em 2024 em turistas internacionais — diz Martins.
Vinhedos estão em ‘período de dormência’
Já na indústria gaúcha de vinhos, um dos setores em que o estado tem destaque nacional, os danos devem ser moderados, devido à época em que a tragédia ocorreu.
— Ainda não é possível mensurar o impacto das enchentes na produção, mas os vinhedos estão atualmente em período de dormência, o que deve diminuir os problemas causados pela chuva — diz o presidente do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis/RS), Luciano Rebellatto.
Indústria projeta impacto limitado
No setor industrial, apesar da paralisação em diversas unidades, os prejuízos devem ser contidos. A siderúrgica Gerdau informou ter suspendido as atividades nas usinas de Charqueadas e Sapucaia do Sul até domingo. A empresa disse que a medida não vai impactar as entregas e que nenhuma das unidades foi danificada pelos temporais.
A Braskem, por sua vez, informou que as chuvas têm impactado o fornecimento de insumos e interrompeu preventivamente algumas das plantas situadas no Polo Petroquímico de Triunfo. A empresa vai acionar um sistema de segurança que pode tornar as fábricas mais luminosas nos próximos dias.
Já a Autoridade Portuária dos Portos do Rio Grande do Sul (Portos RS) disse que as operações continuam, mas as atividades chegaram a ser suspensas preventivamente na quarta-feira. Equipamentos essenciais foram retirados do local para minimizar danos.
O sistema de monitoramento de nível da água operado pela Portos RS, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outros parceiros, está sendo usado para ajudar no enfrentamento das enchentes.
Já a Hidrotérmica, empresa do grupo Bolognesi Energia, disse que a vazão das barragens localizadas na região afetada está dentro dos limites previstos. “Não há indícios de problemas nas barragens. Monitoramos com rigor os volumes de chuva previstos e contamos com plano de contingência para responder de forma imediata a qualquer alteração, garantindo a segurança de nossas estruturas e comunidades circundantes”, disse a empresa em nota.
